Dama Pé-de-cabra
A Lenda da Dama Pé-de-Cabra é uma lenda de Portugal.
Foi compilada por Alexandre Herculano no livro Lendas e Narrativas. Existe ainda uma outra versão da lenda, escrita em inglês pelo Visconde de Figanière no seu poema em cinco cantos Elva: a story of the dark ages (Londres, 1878).
Primeira Lenda
Num dia sereno, D. Diogo Lopes, nobre senhor da Biscaia, caçava nos seus domínios, quando foi surpreendido por uma linda mulher que cantava sob uma pedra. Este, ao vê-la, ofereceu-lhe o seu coração, as suas terras e os seus vassalos se com ele se casasse, contudo a dama rejeitou as suas oferendas, impondo-lhe como única condição para o matrimónio que este nunca mais se benzesse, ao que ele acatou. De noite, no seu castelo, D. Diogo apercebeu-se que a dama por quem se havia perdidamente apaixonado tinha os pés forcados como os de uma cabra. No entanto, esse facto não impediu o casal de viver em paz e união durante largos anos, sendo fruto do seu casamento D. Inigo Guerra e Dona Sol.
Um dia, depois de uma boa caçada, durante um grandioso jantar em que toda a família estava reunida, D. Diogo premiou Silvano, o seu grande alão, com um grande osso, quando este foi inesperadamente atacado pela podenga preta da sua mulher que o matou para se apoderar do pedaço de javali. Surpreendido com tal violência e meio embriagado, D. Diogo benzeu-se e exclamou que tal coisa só podia ser "coisa de Belzebu". A Dama de Pé de Cabra deu um grito, como se estivesse a ser queimada, e começou a elevar-se no ar. Os seus olhos tornaram-se brilhantes, a sua pele negra, os seus cabelos eriçados e as unhas em garras. Enraivecida, pegou na sua filha e começou a aproximar-se de D. Inigo, tentando-o também agarrar. Tentando proteger o seu filho, D. Diogo exclamou “Jesus, santo nome de Deus!” e fez o sinal da cruz. Mais uma vez, a dama soltou um grito de dor, elevando-se mais alto no ar, saindo depois com a filha chorosa por uma janela para nunca mais serem vistas.
Desde então, D. Diogo tornou-se carrancudo e triste, sendo excomungado pelo seu enlace com a misteriosa dama. Recebendo como penitência a missão de guerrear os mouros por tantos anos quanto vivera em pecado, partiu para a guerra e ficou cativo em Toledo, anos mais tarde. Sem saber como resgatar o pai, D. Inigo resolveu procurar a mãe que se tornara, segundo uns, numa fada, segundo outros, numa alma penada, cujas histórias eram conhecidas há mais de cem anos. Segundo a lenda, Argimiro o Negro, um ilustre conde que possuía em tempos aquelas terras, havia prometido no leito de morte do seu pai, nunca matar uma fera com crias ou no seu covil, fosse esta criatura um javali, urso ou outra qualquer. Contudo, certo dia, durante uma montaria em que não encontrava caça, entrou numa caverna e matou um onagro que protegia as suas crias. Imediatamente, Argimiro ouviu uma voz misteriosa que lhe disse que pelas suas acções ficaria desonrado, mas não fez caso. Pouco tempo depois, o conde partiu para a guerra e deixou a sua esposa no castelo. Quando regressou, descobriu que a bela condessa encontrava-se às escondidas com Astrigildo o Alvo, um nobre gardingo, que era guiado todas as noites por um onagro ao seu encontro. Furioso, matou-os, ouvindo de seguida a mesma misteriosa voz dizer “Por ti ficaram órfãos os filhinhos do onagro, mas por via do onagro ficaste, oh conde, desonrado. Foste cru com as pobres feras: Deus acaba de vingá-las”. Desde então as almas da condessa e do gardingo apareciam na Biscaia: ela vestida de branco e vermelho, sentada numa pedra enquanto cantava, e ele por perto, na forma de um onagre.
Procurando na serra com Tárik, o seu mastim predileto, D. Inigo encontrou a Dama de Pé de Cabra que decidiu ajudar o filho, com a condição de este aguardar um ano pelo término da penitência do seu pai e a promessa de lhe dar Pardalo, um onagre, começando de seguida a lançar um feitiço que fez D. Inigo adormecer profundamente por mais de um ano. Ao acordar, o cavaleiro sem saber quanto tempo havia passado, partiu de imediato com a criatura até chegar a Toledo. No meio de uma terrível e escura tempestade, atravessaram as muralhas da cidade e entraram na prisão, onde o onagre abriu a porta da cela com um coice. Pai e filho cavalgaram em fuga, quase como se voassem, contudo, no caminho, encontraram um cruzeiro de pedra que fez o animal estacar. A voz da Dama de Pé de Cabra fez-se ouvir e instruiu o onagro a evitar a cruz. Ao reconhecer a voz, depois de tantos anos e sem saber da aliança do filho com a mãe, D. Diogo exclamou “Santo Nome de Cristo!” e benzeu-se, o que fez com que o onagro os cuspisse da sela, a terra tremesse e abrisse, deixando ver o fogo do Inferno, que engoliu o animal nas suas profundezas. Com o susto, pai e filho desmaiaram. Quando retomaram os sentidos, nenhum vestígio restava do que ali se passara e os dois caminharam até à aldeia de Nustúrio, onde foram recebidos e cuidados no castelo de D. From.
D. Diogo, nos poucos anos que ainda viveu, ia todos os dias à missa e todas as semanas se confessava. D. Inigo morreu velho, nunca mais entrou numa igreja e crê-se que tinha um pacto com o Diabo, pois, a partir de então, não havia batalha que não vencesse.
Outra versão
Na atual região da Beira Alta, mais concretamente na aldeia histórica de Marialva vivia há muitos séculos uma donzela muito formosa. Um certo dia um nobre encantado com a sua beleza e querendo desposá-la encomendou os serviços de um sapateiro pedindo-lhe que fizesse uns sapatos para a donzela em questão. Como se tratava de uma surpresa o sapateiro teria de arranjar uma maneira de conseguir fazer um molde dos pés da donzela para acertar no tamanho do pé, e certo dia, sem que esta desse por isso espalhou farinha aos pés da cama da donzela para que quando esta se levantasse, deixasse a marca na farinha espalhada no chão. Assim foi, e o sapateiro percebeu pela forma deixada no chão que a donzela tinha "pés de cabra", mas mesmo assim fez uns sapatos adequados. Quando o nobre entregou o presente à donzela, esta com o desgosto de saber que já todos sabiam do seu defeito, atirou-se da torre do castelo. A donzela chamava-se Maria Alva e ainda hoje, mesmo em ruínas podemos ver a torre do castelo.
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